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Como traduzir “expense(s)”

Ser habitante de um país populoso como o Brasil tem as suas vantagens: na televisão e no cinema, os filmes estrangeiros, geralmente de origem norte-americana, já vêm dublados, e o software que roda em nossos PCs e notebooks, também na maioria norte-americano, já foi devidamente “localizado”.

Como a dublagem de filmes e a localização de software costuma ser feita por equipes de profissionais especializados, não temos motivos para desconfiar que os diálogos nos filmes em português sejam consideravelmente diferentes dos diálogos na versão original. E, ao manusearmos programas da Microsoft, da Adobe, e de outros, dificilmente encontraremos nos menus uma tradução estranha, visivelmente errada ou até bizarra.

Entretanto, o bônus de fazer parte de um mercado de mais do que 213 milhões de consumidores não se aplica se você for usuário do aplicativo contábil/financeiro QuickBooks Online da Intuit. A localização do Online não envolveu uma equipe de profissionais especializados, antes pelo contrário: bastou ser expert em startup. Conhecimentos da área contábil também foram dispensados, o que, considerando a natureza do produto, é no mínimo uma curiosidade. O resultado: uma interface do usuário mal “dublada” cujo conteúdo não corresponde à versão em inglês.

Embora a raiz do problema seja a má interpretação de uma única palavra em inglês (expense), o estrago é grande e aparentemente, depois de uma omissão de cinco anos, não pode ser desfeito facilmente.


Na linguagem contábil anglo-saxônica expense é uma palavra ambígua: Pode ser tanto gasto quanto despesa. Nas versões desktop do QuickBooks não tem como errar: quando usado no singular é despesa, no plural é gasto. Mas esta simples e útil regra não foi mantida na versão original do Online. Portanto, teria sido necessário examinar cada contexto no qual expense é usada para encontrar a tradução correta. Como esta análise não foi feita, o que era para ser gasto virou despesa na versão brasileira do Online, criando-se em larga escala um vocabulário contábil “alternativo”.

Algumas amostras:

Despesa à vista, despesa a prazo, despesa descritiva, despesa de cheque, despesas a pagar, despesas de compras, despesas de compras a pagar, ...

Em breve a classe contábil brasileira sentirá o impacto desta tradução falha. Já está em andamento o que o filósofo e jurista austríaco Georg Jellinek, no final do século 19, chamou de “o poder normativo do factual”.

Significa o seguinte: Se uma norma (uma lei, um costume, ...) é transgredida por muita gente durante muito tempo, o então “errado” passa a ser o novo “correto”. Ou seja, a norma acaba se adaptando aos novos “costumes”, ao factual.

Desta forma, teremos no futuro próximo milhares de semiletrados contábeis afirmando que existem despesas à vista e despesa a prazo, e outras bobagens deste tipo, todas “aprendidas” no QuickBooks Online Made in Brazil.

Sinal dos tempos: Depois das fake news vem o fake accounting, a contabilidade fake.

No próximo artigo: Um supercomputador vira “despesa a pagar”.

 

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